Largo de Pelourinho com o Palácio da Ouvidoria e o Mercado Municipal em Paracatu, Minas Gerais.

Por: Carlos Lima (*Arquivista)

Dão conta os valorosos códices conservados no Fundo Câmara Municipal, da histórica arrecadação de impostos sobre a movimentação de bens e serviços na Vila de Paracatu do Príncipe, na década de 1830, o que remete, dentre outras anotações relevantes, à taxação sobre os escravos e sua força de trabalho, além de destacar, possivelmente, o caminho percorrido por eles na compra de sua alforria.

No livro registro de receitas e despesas da Vila de Paracatu do Príncipe a sua folha de nº 10 verso consta a tributação sobre a posse de um escravo, conforme se verifica no seguinte trecho “Carrego mais ao dito Procurador quatrocentos e oitenta réis que recebeu de Francisca de Paula Rodrigues Horta por cabeça de seu escravo Leonel [pelo] ofício de selleiro”.

Já na folha de nº 15 do mesmo documento, o excerto “Carrego ao dito Procurador a quantia de quatrocentos e oitenta que tanto recebeo de Leandro Crioulo libertando, [pelo] offício de Pedreiro”. Esse apontamento chama a atenção para o caso de um escravo que estaria em processo de compra de sua alforria e sua obrigação quanto ao recolhimento de tributos em virtude de seu trabalho como pedreiro.

Em seu artigo As Cartas de Alforria: Compras e concessões por livre e espontânea vontade, SILVA (2017) aponta a existência, em meio urbano, dos chamados escravos de ganho, ou seja, aqueles que “[…] ganhavam uma quantia em dinheiro por seus serviços prestados, mas essa quantia não se constituía como salário. Eles tinham acordos preestabelecidos com seu senhor; este estipulava uma quantia em dinheiro que os escravizados de ganho deveriam conseguir;[…]”. Essa modalidade exposta por SILVA é bem semelhante aos dos escravos mencionados no velho códice fiscal aqui referenciado e disponível no Arquivo Público de Paracatu.  

Às folhas 38 e 38 verso do mesmo manuscrito, consta um termo de obrigação assinado por Dona “[…]Joaquina dos Anjos Coutinho, Senhora que mostra ser da cabra Ignácia e por Ella me foi dito que pelo presente termo, e na forma do despacho do Sr. Presidente desta Câmara Municipal exarado uma licença que obtivera a dita sua escrava Ignacia para abrir huma venda nesta Villa e dispor seus efeitos[…]”. Os resultados da atividade comercial pretendida pela escrava, implicavam a responsabilização de sua possuidora, como se pode denotar do referido termo (ver imagens abaixo). 

Fl. 38 com o início do termo de obrigação referente à escrava Ignácia
Fl. 38 verso com a conclusão do termo de obrigação referente à
escrava Ignácia, bem como seu recolhimento de imposto ao Fisco

Ainda no mesmo códice em análise, em sua folha de nº 39 verso, encontra-se registrada a taxação sobre o ofício de vender praticado pela mesma escrava Ignácia, conforme o trecho: “[…]quatrocentos réis que recebeo de Ignacia Crioula Escrava de Joaquina dos Anjos Coutinho aos 25 dias do mês de junho [de 1831] da licença de sua venda”. Esse manuscrito retrata, portanto, a licença concedida àquela escrava para abrir e manter um comércio em meio urbano naquele período da história de Paracatu.

Na folha de nº 55 do relevante manuscrito fiscal, consta ainda a despesa contraída pela Câmara Municipal da Vila de Paracatu do Príncipe por volta de abril de 1832, quanto à tomada de serviço realizado por um escravo, como se lê: “[…]jornada de um escravo, por duas vezes, que pôs bancos para o Juri. Cento e secenta réis”. Este caso revelaria, em partes, a prestação de serviço ao Poder Público, por parte de um escravo com auferição de valores por ele e/ou seu senhor.

SILVA (2017) argumenta ainda que os escravos “se utilizavam de múltiplas formas para conseguir juntar pecúlio e, assim, conseguir comprar sua liberdade ou a liberdade de outro ser humano em condição de escravizado”. A cobrança de impostos incidia, como de costume, também sobre as atividades e bens comercializados por escravos.

Como se pode comprovar através dos registros financeiros da 1ª metade do século XIX, pertencentes ao Fundo Câmara Municipal, conclui-se que em Paracatu a força de trabalho escravocrata era corriqueiramente empregada também em meio urbano e por vezes na forma remunerada, desde que com o consentimento dos possuidores daquela mão-de-obra, além de ser ela taxada como em qualquer outro tipo de atividade com fins comerciais e/ou de prestação de serviço praticados por escravos. 

 (*) Carlos Lima é graduado em Arquivologia pela Universidade Federal da Bahia (UFBa), é Pós-Graduado em Oracle, Java e Gerência de Projeto e é conservador e restaurador de documentos. Elaborou este artigo a partir de suas pesquisas nos fundos documentais do Arquivo Público de Paracatu – MG.

REFERÊNCIAS

CÂMARA MUNICIPAL DE PARACATU. Livro registro de receitas e despesas da Vila de Paracatu do Príncipe. 1830-1832. 72fls.

SILVA, Rodrigo C. AS CARTAS DE ALFORRIA: compras e concessões por livre e espontânea vontade. In:  XXIX SIMPÓSIO NACIONAL DE HISTÓRIA, 2017, Brasília. Disponível em: <https://www.snh2017.anpuh.org/resources/anais/54/1501722337_ARQUIVO_ArtigoRevisado-AsCartasdeAlforria.pdf>. Acesso em: 05 Jul. 2021.

Publicidade