
Por: Carlos Lima (*Arquivista)
Os tradicionais armazéns de secos e molhados – desconhecidos pela grande maioria e que eram no século passado protagonistas no comércio varejista de alimentos e outros gêneros ditos essenciais – fizeram história nestes remotos e isolados cantos das Minas Gerais, conforme se verificam nos documentos e fotografias conservados no Arquivo Público de Paracatu.
Espalhados pelo hoje Núcleo Histórico da cidade, 22 estabelecimentos de secos e molhados vendiam à população gêneros alimentícios, de armarinho e até alguns itens mais sofisticados, como rádio. A rua de Goiaz concentrava até a década de 1930, segundo levantamento junto a recibos dos Fundos Câmara Municipal, Poder Judiciário e Forças Armadas, maior quantidade de lojas dessa natureza. Alí se encontravam, dentre outras, Casa Gonzaga, Quintino Vargas & CIA, Antonio de Aquino e Moura, Antonio Duarte Ferreira, Armazém Popular (Demósthenes Roriz Filho) e Symphronio de Souza Camargo.
Os recibos além de trazerem informações sobre as mercadorias comercializadas, serviam sobremaneira de meio para a publicidade necessária ao crescimento do negócio. No recibo de nº 10 datado de 1923, emitido pelo Armazém Popular (Rua de Goyaz), de propriedade do Sr. Demósthenes Roriz, o cabeçalho anunciava: “Completo e variado sortimento de Armarinho, Ferragens, Fazendas, Chapéus, Calçados, Cigarros, Roupas feitas, etc., etc, Massas alimentícias, Molhados nacionais e extrangeiros. Não tem rival em preços”.
No acervo fotográfico do Arquivo Público, há algumas imagens relacionadas aos comércios daquela época, o que permite ao cidadão uma viagem no tempo e o conhecimento sobre como funcionavam: A fachada e a calçada dos estabelecimentos serviam de vitrine para as mercadorias. É o caso de uma foto em que se vê a loja A Caçula, localizada na rua da Capelinha (hoje Pinheiro Chagas), em que bacias de alumínio ocupavam a calçada e outras peças ficavam dependuradas bem na porta do local, iniciativa muito comum àquela época.
Em outra bela imagem, vê-se a Casa Gonzaga, localizada na antiga rua do Peres (hoje Américo Macedo), em cuja fachada estava estampado o seguinte apelo comercial: “Economiza-se tempo e dinheiro comprando-se aqui”, o que só foi possível rememorar por graças à foto de 1920, de autoria de seu notável proprietário Professor Olímpio M. Gonzaga, também possuidor de outra loja do mesmo ramo na tradicional Rua de Goiaz.
A atuação do comércio ambulante também está registrada no laborioso acervo arquivístico, como se constata nanota de nº 33, datada de 1928, em que o negociante ambulante Frederico Baptista Tormim fornece para a Escola Normal Oficial 3 peças de madeira de arco para casa de privada ao custo de 32 mil e 800 réis. Bem caracterizado, o documento traz ainda o ramo explorado por aquele empreendedor: “Compra e vende gêneros de paiz, couro de gado, peles finas curtidas, solas e artigos congêneres”.
Com aquela variedade de produtos, simplicidade e a localização privilegiada, não se vê mais na cidade nenhum exemplar estritamente fiel aos padrões de outrora, a não ser alguns raros e pequenos armazéns, que tentam recuperar em parte aquele velho estilo de comércio. Fato é que as Casas de secos e molhados, que tanto serviram às pessoas e às instituições, tiveram papel decisivo no desenvolvimento econômico e social de Paracatu.
(*) Carlos Lima é graduado em Arquivologia pela Universidade Federal da Bahia (UFBa), é Pós-Graduado em Oracle, Java e Gerência de Projeto e é conservador e restaurador de documentos. Elaborou este artigo a partir de suas pesquisas nos fundos documentais do Arquivo Público de Paracatu – MG.
REFERÊNCIAS
CÂMARA MUNICIPAL DE PARACATU. Recibo nº 10 do Armazém Popular. 1923. 1fl.
CÂMARA MUNICIPAL DE PARACATU. Nota nº 33 de Frederico Baptista Tormim. 1928. 1fl.
GONZAGA, Olímpio Michael. Casa A Caçula, na rua Pinheiro Chagas em Paracatu-MG. [19–?]. 1 fotografia.
GONZAGA, Olímpio Michael. Casa Gonzaga na rua do Perez em Paracatu-MG. 1920. 1 fotografia. LIMA, Carlos E. Gomes. Relação de armazéns de secos e molhados em Paracatu (1911-1954). 1fl.