
Por: Carlos Lima(*Arquivista)
O saudoso fotógrafo Olímpio Michael Gonzaga não se furtaria de registrar, por meio de sua câmera, os vestígios daquele empreendimento que poderia tornar-se um dia o grande divisor de águas no desenvolvimento econômico e social a partir da primeira metade do século passado: A linha férrea em Paracatu.

De acordo com o escritor e professor Oliveira Mello, a imagem da linha férrea fora registrada na represa do Alto do Açude na década de 1930, e como tal, pode ter sido o único documento disponível, até o presente momento, relacionado à infra-estrutura inicial para a chegada daquele nostálgico meio de transporte, que jamais se tornara efetivo na integração da extensa e distante região Noroeste com as outras regiões do Estado de Minas Gerais.
Reza a Lei nº 3108 de 6 de outubro de 1883, que o então Presidente da Província de Minas Gerais, Dr. Antonio Gonçalves Chaves, concedera “ao engenheiro Dr. Antonio Paulino Limpo de Abreu, privilégio por cincoenta annos para a construcção, uso e gozo de uma estrada de ferro, de bitola estreita, que, partindo da cidade de patos, nesta província, e passando pela de Paracatú, vá terminar no ponto mais conveniente da divisa entre esta e a província de Goyaz.”.
Estrada de Ferro Paracatu – EFP
Em 1912, uma esperança surgia quanto à chegada da locomotiva em lugares tão remotos do Noroeste de Minas Gerais: A construção da Estrada de Ferro Paracatu, que partia de Pitangui na Estação Velho da Taipa (em sua ligação com a Estrada de Ferro Oeste de Minas), atravessava a cidade de Bom Despacho, contudo, sem chegar àquela que lhe emprestara o nome. Em 1937, “foi aberto ao tráfego ferroviário o trecho entre Melo Viana e a estação de Barra do Funchal, sendo o último trecho a ser concluído. A construção do Ramal de Paracatu foi interrompida neste ponto, para nunca mais ser retomada”, consta em documento de autoria do Museu dos Ferroviários.

Estrada de Ferro Central do Brasil – EFCB
O Jornal A Voz do Sertão em artigo denominado “O Prolongamento da Estrada Ferro Central”, publicado na edição de nº 7 de maio de 1918, classificava a construção daquela ferrovia como “um dos assuntos que mais interessam a esta zona” e denunciava a morosidade daquele pleito por meio de uma metáfora : “há annos estacionada em Pirapora”, ao se referir a sua limitação até aquele município.
O mesmo artigo leva a crer que o fato de a Estrada de Ferro estender-se tão somente à “vizinha” Pirapora outorga-lhe um monopólio comercial prejudicial a Paracatu: “por enquanto, Pirapora é a praça intermediária, como ponto terminal da E. F. Central que é, da praça desta cidade pelo que, estando o commercio local à mercê do maior competidor que lhe sendo também intermediário, tem todo o interesse em crear-lhe embaraços, para lhe tomar as principaes fontes da vida. “
E conclui o autor da matéria, Sr. Adail: “Essa é a razão principal da demora com que nos chegam as mercadorias compradas no Rio e em São Paulo; da protecção dispensada aos tropeiros, e barqueiros para a elevação dos fretes; enquanto o intermediário dispõe, mais à vontade, dos artigos de seu commercio. E a maioria dos habitantes do sertão vae attrahida para as margens do S. Francisco, com grandes prejuízos para o commercio local e para as rendas do município” [de Paracatu], que por não contar com boas vias de escoamento e de acesso perdia na disputa enquanto polo comercial regional.

Anos mais tarde, no quinzenal Paracatu-Jornal, edição de 31 de janeiro de 1926, publicava-se a matéria denominada “Um velho problema de transportes, em foco”, em cujo depoimento defenderia o próspero e visionário fazendeiro e boiadeiro Sr. Romualdo Gonçalves de Ulhôa sobre o prolongamento da Estrada de Ferro Central do Brasil, de Pirapora até Cachoeira Grande, no Rio Paracatu: “o que faltava para promover o seu desenvolvimento e incrementar o seu progresso [de Paracatu] eram vias de comunicação rápidas e econômicas, enfim, paralelas de aço estendidas pelo interior do país, para sobre ellas correrem as riquezas do nosso solo, o sangue novo que há de vivificar o nosso sertão.”
Ulhôa completaria sua percepção sobre o projeto de uma locomotiva nestes sertões: “Paracatu, que já foi um movimentado centro commercial e agrícola, vem de há muito perdendo o seu prestígio, a sua fama, o seu bom nome, entrando em franco estacionamento, devido à intensa e fecunda expansão commercial e industrial que se opera nas cidades circunvizinhas, como sejam Pirapora, Patos [de Minas] Patrocínio e Ipamery, favorecidas pelas vias férreas e rodoviárias”.

Ainda no mesmo artigo, escrito pelo notável Professor Josino Neiva, é possível constatar que o traçado do projeto ferroviário compunha-se de dois prolongamentos: um relativo a relação desta zona [Paracatu] com as do Triângulo, Oeste e Sul de Minas, pela Estrada de Ferro Paracatu, que vae sendo prolongado em demanda desta cidade; outro destinado ao escoamento das vultuosas produções do valle do Paracatu e das zonas adjacentes, pela referida via navegável que deve alimentar a Estrada de Ferro Central, em Cachoeira Grande (Rio Paracatu)”.

Estrada de Ferro Juscelino Kubitschek – EFJK

Embora parte da linha férrea tenha sido, possivelmente, instalada sobre a represa do Açude em Paracatu, o modal ferroviário e a chegada da locomotiva, jamais se tornaram uma realidade no Noroeste de Minas. Esse cenário, contudo, parece tomar outro rumo com a recente aprovação, pelo Congresso Nacional, do novo marco do transporte ferroviário, que por meio de autorizações concedidas a terceiros, permite tirar do papel projetos de grande envergadura logística, como o da Estrada de Ferro Juscelino Kubitschek, que cortaria a vizinha Unaí numa ligação entre a capital federal e o município de Barra de São Francisco, no Espírito Santo, com o fim de escoar a produção de grãos e outras commodities.
(*) Carlos Lima é graduado em Arquivologia pela Universidade Federal da Bahia (UFBa), é Pós-Graduado em Oracle, Java e Gerência de Projeto e é conservador e restaurador de documentos. Elaborou este artigo a partir de suas pesquisas nos fundos documentais do Arquivo Público de Paracatu – MG.
Referências
A VOZ DO SERTÃO. Paracatu, p. 1. 5 Maio. 1918
IPHAN. PATRIMÔNIO FERROVIÁRIO EM MINAS GERAIS – BENS IMÓVEIS. Disponível em: <http://portal.iphan.gov.br/uploads/ckfinder/arquivos/Patrimonio_Ferroviario_MG.pdf?fbclid=IwAR2CLxtfWqZff_UyfzO_I36zurGPs3Lf-VCHG1EyUFQ1eO5RIE3w1gOxjTU> . Acesso em: 20/12/2021.
MINAS GERAIS. Assembléia Legislativa Provincial. Lei n. 3.108 de 6 de outubro de 1883. Disponível em: <http://www.siaapm.cultura.mg.gov.br/acervo/leis_mineiras/LM-3506/73723.jpg?fbclid=IwAR32BPl0YCqBbKVhudl9CkCgEgFH3ZcDaxxH1a36wlhQp8u9G3FJt1jeFV0>. Acesso em: 17/12/2021
MUSEU DOS FERROVIÁRIOS. Estrada de Ferro Paracatu. Disponível em: <http://www.italonaweb.com.br/wp-content/uploads/2013/01/folder_modificado2.pdf?fbclid=IwAR088bmPaLn78CaM5GnShosKUDPG5Q3-RBfhrX1lBGD4SVzL3BKkkmc8k7s> . Acesso em: 20/12/2021
PARACATU-JORNAL. Paracatu, p. 1-2. 5 Janeiro 1926