Possivelmente a Estrada da Contagem e terras da Fazenda Espalha ao fundo da imagem clicada em 1960 por Oliveira Mello, a partir do Largo do Cemitério em Paracatu. Destacam-se ainda a linha do telégrafo e, muito certamente, o casarão colonial do Coronel Leopoldo Faria. Foto colorizada artificialmente através do software DeepAI

Por: Carlos Lima (*Arquivista)

Fontes primárias de pesquisa são relevantes e decisivas para a investigação e compreensão do desenvolvimento urbano dos municípios, como é o caso do surgimento do Prado (Antônio Lemos do Prado) e bairros circunvizinhos aqui em Paracatu. Uma análise cartográfica e textual baseada em raros documentos do Tribunal de Justiça de Minas Gerais e custodiados pelo Arquivo Público Municipal Olímpio Michael Gonzaga, apontou a origem desses logradouros públicos a partir do fracionamento dos mais de 2036 hectares da histórica Fazenda Espalha.

No inventário do Sr. Manoel Gonçalves de Noronha, datado de 15 de abril de 1819 e conservado na respectiva instituição arquivística, consta entre os bens listados na sua folha 3 verso “huns pastos de criar na parage denominada Espalha e Thomas digo, e José Thomas de Faria campos com casas cobertas de telha já muito velhas e arruinadas cujas terras parte pela parte do Poente com terras do falecido Manoel de Moura, e pelo Nascente com o Córrego Rico e pelo Norte com terras da Estrada [da Chapada] e pelo Sul com terras da Estrada do Bebedouro cujas terras e casas de vivenda avalliadas na quantia de oitenta mil reis”.

Portal da Fazenda Espalha em Paracatu: Parte dela deu origem ao bairro Prado e adjacências

No mesmo documento às folhas 2 e 2 verso registra-se que o falecido proprietário daquelas férteis e aguadas terras (Ribeirão Espalha e córregos),  Sr. Manoel Gonçalves de Noronha, deixara viúva a Sra. Eugênia Fernandes Coimbra e herdeiros seus filhos Rosa Gonçalves de Noronha, Francisco Gonçalves de Noronha, Pedro Gonçalves de Noronha, Manoel Gonçalves de Noronha, Anna e Felix Gonçalves de Noronha, Rufino, Maria e Antônio.

Imposto decorrente da doação de parte da Fazenda Espalha, em 1873, feita por Félix G. de Noronha às suas sobrinhas.

Em uma declaração, datada de 30 de janeiro de 1863, o herdeiro Sr. Felix Gonçalves de Noronha declara-se possuidor de “huma parte de terras que tenho na chácara denominada o Espalha nos subúrbios desta cidade”, o que facilita a identificação da referida propriedade em endereço não muito distante do perímetro urbano de Paracatu (2 quilômetros do centro!). Além do Bairro Prado, é provável que dessa grande chácara surgiram, dentre outros, Vila São Calixto, Cidade Nova, Cidade Jardim, Bom Pastor, Vila São João Evangelista, Bandeirantes (Loteamento do Sr. Dedé Pimentel), e o caçula, Parque do Príncipe. O servidor público e estudioso da história de Paracatu, Sr. Eduardo Rocha (71), confirma que os bairros Prado, Cidade Nova e Parque do Príncipe originaram, de fato, da Fazenda Espalha.

Bairro Prado e adjacências, bastante povoados em dias atuais, na foto clicada por Carlos Lima em agosto de 2021.

Segundo o técnico em edificações e gerente de projetos Dalmon Pereira de Souza (50), os bairros Cidade Jardim, Bom Pastor, Vila São João Evangelista originaram-se de terras da chamada Chácara dos Padres, pertencentes à antiga Presária (hoje Mitra Diocesana de Paracatu), a qual teria vendido algumas dessas propriedades para o SESC e APAC e doado outras, como o fora o caso da área onde se localizam os Bairros São João Evangelista e Bom Pastor, que de acordo com ele sofrera diversas invasões, o que teria levado o Bispo [Dom Leonardo] e o Padre Bené a doarem para a municipalidade, entre os anos 1997 e 2000, 700 lotes para construção de casas populares nos ditos locais, além de 10 hectares para implantação do vizinho e belo Parque Municipal dos Buritis, por volta de 2019.

Extrato referente à transmissão de parte de terras da divisão da Fazenda Espalha em 1920

Um extrato com data de 21 de junho de 1920 e constante à folha 79 do processo de divisão da Fazenda Espalha traz as suas confrontações, a saber: “pela estrada que vai para a Contagem, até o alto da serra, dividindo com a fazenda do “Coqueiro”, D’áhi pela estrada da Tabóca, até as divisas da Florinda, d’áhi dividindo com o Moura, pela estrada real antiga à serra da Boa vista, d’áhi pela serra do Urubú, até a praia do Córrego-rico, descendo praia abaixo até à estrada da Contagem, onde começaram.”

Planta da divisão da Fazenda Espalha em 1921, disponível no Arquivo Público de Paracatu

Dessas demarcações, são muito familiares a estrada da Contagem que pelo Paracatuzinho serve de saída para o município de Guarda-Mór, a Praia do Córrego Rico e a Serra da Boa Vista. Ainda conforme depoimento do também pesquisador Sr. Eduardo Rocha (71), as serras da Contagem, Urubu, Boa Vista e Moguem localizam-se à esquerda da BR-040 no sentido para Brasília nas imediações da chamada “curva da morte”.

No processo de divisão da Fazenda Espalha, ocorrido em 1920, verifica-se que os herdeiros e outrem venderam suas herdades ou partes delas a terceiros, à exemplo do que se denota às folhas 6 e 6 verso do centenário documento, em que o Sr. Leopoldo de Farias adquire para si a chácara e pastos, muito provavelmente localizados onde atualmente está a conhecida Ladeira dos Farias e imediações. Com o decorrer dos anos e o crescimento populacional, essas transmissões de terras resultaram em novos e distintos loteamentos e bairros da cidade de Paracatu.

(*) Carlos Lima é graduado em Arquivologia pela Universidade Federal da Bahia (UFBa), é Pós-Graduado em Oracle, Java e Gerência de Projeto e é conservador e restaurador de documentos. Elaborou este artigo a partir de suas pesquisas nos fundos documentais do Arquivo Público de Paracatu – MG.

Referência

COMARCA DE PARACATU. Processo de divisão da Fazenda Espalha. Pacote 58 da Cx. 15. [1920]. 421 fls.

COMARCA DE PARACATU. Processo de inventário de Manoel Gonçalves de Noronha.Cx. I-01. 1819. 32 fls.

Colaboraram com informações o servidor público e pesquisador paracatuense, Sr. Eduardo Rocha e o técnico em edificações e gerente de projetos Dalmon Pereira de Souza.

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