
Por: Carlos Lima (*)
Lá no alto da cidade e à direita da BR-040 rumo ao Planalto Central, uma paisagem predominantemente cinzenta e rica em ouro rouba a cena e desperta a curiosidade de quem está de passagem por Paracatu. Do ponto de vista histórico, aquela vistosa propriedade já esteve por muitos anos sob os auspícios de alguns abastados fazendeiros antes de vir a ser a maior mina de ouro a céu aberto do Brasil.
De acordo com as fontes primárias existentes no rico acervo do Arquivo Público Municipal, tem aquele disputado Morro das Cruz das Almas ou Morro do Ouro, como é popularmente conhecido, origens oficiais na Fazenda Santo Antônio e Sapateiro lá por volta de 1831. Tais registros ainda fundamentam a existência da comunidade de Santa Rita, além de apontarem cartograficamente em 1931 parte da Estrada Real e da Estrada para Unaí, além do cruzeiro no citado Morro da Cruz das Almas.

No orçamento pertinente à divisão das terras em questão, existente à folha 523 dos autos, o agrimensor João Ferreira de Noronha destaca que “A fazenda ‘Santo Antonio e Sapateiro’ sita no distrito desta cidade, tem 2.837 hectares e 70 ares” em sua totalidade. Compunham aquela rica propriedade 495 hectares e 90 ares de terras de culturas, 2.100 hectares e 60 ares de terras de campos naturais e 241 hectares e 20 ares de terras de lavras, da mineração antiga de Paracatu.
Em um termo do ano de 1830 localizado à folha 44 do documento da aludida divisão, o Sr. Eustáquio José de Mattos Lima e a Sra. sua mulher, Luiza de Mattos Lima, declaram ser possuidores de “oito datas de terras minerais sitas no Morro das Cruz das Almas, do termo desta Villa, que confrontão com terras de Conrada Thereza, Maria Antônia Tavares de São Roque, Anna da Assunpção Cortes” e fazem a “doação pura e irrevogável a Benedicto José de Mattos Lima, para nellas fazer o seu Patrimonio, afim de se ordenar, e ter todo o usofructo nas ditas terras, até a sua morte”.
Tempos mais tarde, em um manuscrito datado de 1908 constante à folha nº 373 do dossiê da respectiva divisão de terra, referenciam-se seus outrora titulares Antônio Carlos Pereira de Castro, Levino Avelino e Lucianna Edvirge Ferreira, possuidores de “duas partes nas terras minerais, de cultura e campo de criar denominada Morro da cruz das almas e bomnum, da freguesia de Santo Antônio de Paracatu distrito desta Cidade”.

Na planta de divisão que compõe o mesmo processo, além das demarcações presentes, há riqueza de detalhes quanto ao Morro do Ouro e áreas adjacentes, dado o grau pericial e artístico de quem elaborara aquele documento cartográfico, os Srs. João Ferreira de Noronha e Adrilles Ulhôa. Notam-se, inclusive, as fronteiras com outras tradicionais fazendas como Pituba, Paraíso e Pinheiro, os acidentes geográficos e a pujança hidrográfica (córregos Santo Antônio, São Lourenço e São Domingos, entre outros) das terras da Fazenda Santo Antônio e Sapateiro.

Ainda que a divisão da Santo Antônio e Sapateiro tenha sua origem “na confusão de limites”, como é assinalado por vezes no avolumado e extenso processo homologado pelo então Juiz Sílvio Cerqueira Pereira aos 10 de dezembro de 1933 (folha 622 verso), o aurífero, afamado e cobiçado Morro do Ouro – oriundo daquela grande fazenda! – passara a constituir-se, por volta de 1987, numa gigantesca área de exploração mineral por parte e em benefício majoritário do capital privado.
(*) Carlos Lima é graduado em Arquivologia pela Universidade Federal da Bahia (UFBa), é Pós-Graduado em Oracle, Java e Gerência de Projeto e é conservador e restaurador de documentos. Elaborou este artigo a partir de suas pesquisas nos fundos documentais do Arquivo Público de Paracatu – MG.
Referência
COMARCA DE PARACATU. Processo de Divisão da Fazenda Santo Antônio e Sapateiro. 1926.Cx. D-28. 625 fls.