
Por: Carlos Lima (*Arquivista)
Por volta de setembro de 1944, Paracatu enfrentaria uma grande escassez de um dos itens mais elementares e tradicionais na alimentação humana, o sal. Essa crise agravava-se especialmente pela distância do município em relação aos grandes centros fornecedores, bem como diante dos gargalos existentes no transporte de mercadorias, em particular, na região Noroeste de Minas.
As correspondências e outros documentos preservados no acervo do Guardião da Memória Regional, o Arquivo Público Municipal, refletem muito bem sobre o insosso momento por que passava a população: “Passando grandes privações, com família numerosa, principalmente de sal, apela para o Sr. Governador solicitando um auxílio” reclamava em ofício de 6 de outubro de 1944, o Sr. Benedito Xavier da Costa ao então Prefeito de Paracatu, Excmo. Sr. Romualdo Ulhôa Tomba.
Na primeira metade do século passado, o transporte de cargas e passageiros realizava-se com maior eficiência graças à navegabilidade do Rio Paracatu (precárias eram as vias de escoamento e locomoção por terra!), que durante aquela falta de sal foi um grande aliado nas ações do governo municipal.
Revela um telegrama do Prefeito de Paracatu em 29 de novembro de 1944 dirigido ao Diretor da Navegação Mineira em Pirapora. “Estando o Rio Paracatu com bastante água atualmente, possibilitando assim sua navegação, venho solicitar ao prezado amigo suas valiosas providências no sentido de ser transportado o mais breve possível o sal destinado a este município e aí armazenado, pois é o único sal que podemos contar atualmente”.

Também os trilhos foram decisivos para que o sal por aqui chegasse, a fim de suprir aquela demanda histórica sobre a qual versam os telegramas expedidos pelo executivo: “embarcou dia 17 corrente sal destinado [a] este município. Agradeço penhorado [a] presteza com que V. Exca. atendeu meu pedido”, comunicara e agradecera o Prefeito Tomba ao Vice-Diretor da Estrada de Ferro Central, o Sr. Major Eurico de Sousa Gomes Filho em telegrama datado em 25 de outubro de 1944.
A mercadoria escassa nesta longínqua e entranhada povoação, viria de trem do Rio de Janeiro até Pirapora, no Norte de Minas, onde embarcaria no Vapor que pelas prestimosas e abrangentes águas dos Rios São Francisco e Paracatu, chegava ao Porto Buriti, para enfim seguir muito provavelmente de caminhão ou carroça por estrada de chão até a sede do município.

Em documento expedido em 6 de setembro de 1944 pela Coordenação do Tráfego Fluvial do Vale do São Francisco em Pirapora, relacionam-se o nomes dos comerciantes e as respectivas remessas de sal a eles destinadas para revenda no varejo, além do valor da mercadoria e do frete dos vagões. Nele, constam os nomes dos empresários João Climaco Cordeiro, Walter Silva Neiva, Joaquim Moura Santiago e Alvaro S. Neiva, que juntos receberiam quase 140 toneladas de sal, dispostas em 8 vagões, menciona um telegrama enviado pelo Prefeito de Paracatu à empresa SALMAC, fornecedora do produto.
Embora a falta de sal naquele ano de 1944 tenha sido um acontecimento local, e quando muito regional, são notáveis os esforços nas articulações empreendidas pelo então Prefeito Romualdo Ulhôa Tomba junto a diferentes autoridades, fornecedores, empresários e autarquias no intuito de fazer chegar a tão isolado município aquele imprescindível alimento para as mesas dos cidadãos e cidadãs paracatuenses.
(*) Carlos Lima é graduado em Arquivologia pela Universidade Federal da Bahia (UFBa), é Pós-Graduado em Oracle, Java e Gerência de Projeto e é conservador e restaurador de documentos. Elaborou este artigo a partir de suas pesquisas nos fundos documentais do Arquivo Público de Paracatu – MG.
REFERÊNCIAS
COORDENAÇÃO DO TRÁFEGO FLUVIAL DO VALE DO SÃO FRANCISCO. Relação dos vagões de sal destinado ao município de Paracatu e distribuído pela Coordenação do Tráfego Fluvial aos municípios de Pirapora e São Francisco. Pirapora. Set. 1944. 1 fl.
PREFEITURA MUNICIPAL DE PARACATU. Requerimento do Sr. Benedito Xavier da Costa ao Prefeito Romualdo Ulhôa Tomba solicitando sal. Paracatu. Out. 1944. 1 fl.
PREFEITURA MUNICIPAL DE PARACATU. Telegrama do Prefeito Romualdo Ulhôa Tomba ao Senhor Diretor da Navegação Mineira em Pirapora. Paracatu. Nov. 1944. 1 fl.
PREFEITURA MUNICIPAL DE PARACATU. Telegrama do Prefeito Romualdo Ulhôa Tomba ao Vice-Diretor da Estrada de Ferro Central, Major Eurico de Sousa Gomes Filho. Paracatu. Out. 1944. 1 fl.
Excelente matéria Carlos , parabéns ! Meu bisavô SôQuim Santiago tinha uma grande loja para época aqui em Paracatu onde se vendia de tudo, ficava alí na esquina entre rua das Flores (atual R.Dr Sérgio Ulhôa) e o beco que liga à rua do Ávila , beco este que leva o seu nome. Do outro lado, atravessando a rua temos a antiga rua da Praça (atual R. Temístocles Rocha). Na foto do Olympio Gonzaga escrita por ele mesmo o registro informando que o Vapor era de propriedade do sr. Quintino Vargas comerciante em Paracatu que se tornou uma referência política após ter liderado o grupo que enfrentou os revoltosos da coluna Prestes no estado de Goiás após estes terem passado por Paracatu no ano de 1927.