
Por: Carlos Lima (*Arquivista)
Era o Coronel Quintino Vargas homem empreendedor e muito dedicado ao desenvolvimento econômico e social da cidade, a ponto de requerer junto à Câmara Municipal o direito de explorar o transporte de cargas e passageiros pelos Rios São Francisco e Paracatu, o que não tardaria a acontecer lá na década de 1920 conforme laboriosas fontes de pesquisa preservadas no Guardião da Memória Regional, o Arquivo Público de Paracatu.
Na minuta de contrato proposto à Câmara Municipal de Vereadores, o empresário propõe a cobrança de 300 réis por passageiro adulto por cada quilômetro navegado (crianças de 5 a 12 anos pagariam meia passagem) com direito a 10 kg de bagagem sem acréscimo de taxa, enquanto que mercadorias seriam cobradas 15 réis por arroba em cada quilômetro, por exemplo.
Precioso códice (livro antigo) de registro dos manifestos de cargas e passageiros da Empresa Navegação do Paracatu com data de abertura em 19 de Novembro de 1924, disponível para consulta no Fundo Câmara Municipal , não deixou morrer a memória do Rio Paracatu enquanto imprescindível via de comunicação destes rincões do Noroeste de Minas Gerais com os grandes centros urbanos e outras importantes localidades. A navegação por aquelas águas era parte de um modal que incluía portos, rios, estradas (ainda muito precárias), estações e ferrovias.

Com embarque e desembarque no Porto Buriti em Paracatu, o Vapor Curvello transportara pessoas e mercadorias entre diferentes destinos em Minas Gerais e Bahia, como Entre-Ribeiros, Catinga (hoje distrito de João Pinheiro), São Romão, São Francisco, Januária, Pedras de Maria da Cruz, Manga, Carinhanha, Malhada, Bom Jesus da Lapa, Barra, entre outras. Em Pirapora, robusto entreposto comercial e logístico que recebia as embarcações do Rio Paracatu, era possível fazer uma conexão com a Estrada de Ferro Central do Brasil e seguir de trem para o Rio de Janeiro, por exemplo.
O saudoso historiador, fotógrafo e empresário paracatuense Olímpio Michael Gonzaga também registrou com a sua câmera parte daquele célebre período em que o Rio Paracatu era a principal rota de escoamento de mercadorias e transporte de passageiros, particularmente quando estivera em Pirapora em 1925. Suas potentes lentes captaram, dentre outros momentos, a movimentação no porto daquela ribeirinha cidade, com destaque para as embarcações que alí chegavam e saíam, a exemplo do vapor empregado pelo Coronel Quintino Vargas em sua empresa.
O valoroso livro registro dos manifestos de cargas e passageiros da Empresa Navegação do Paracatu permite assim concluir que foram realizadas 24 viagens contratuais entre 23 de outubro de 1924 e 18 de dezembro de 1925 pelas embarcações rebocador Paracatu e vapor Curvello, o que elucida de forma contundente a história da navegação e do comércio entre os municípios das bacias dos rios Paracatu e São Francisco naquele período.
A navegação pelo Rio Paracatu constituiu-se, portanto, num notável marco do desenvolvimento econômico e social para o Noroeste de Minas Gerais durante o século XX, além deixar relevante legado histórico sobre o fluxo de pessoas e mercadorias entre Paracatu e cidades de outras regiões do país.
(*) Carlos Lima é graduado em Arquivologia pela Universidade Federal da Bahia (UFBa), é Pós-Graduado em Oracle, Java e Gerência de Projeto e é conservador e restaurador de documentos. Elaborou este artigo a partir de suas pesquisas nos fundos documentais do Arquivo Público de Paracatu – MG, com publicações no site https://paracatumemoria.wordpress.com/.
REFERÊNCIAS
CÂMARA MUNICIPAL DE PARACATU. Livro registro dos manifestos de cargas e passageiros da Empresa Navegação do Paracatu. Paracatu: 1924. 1 códice
CÂMARA MUNICIPAL DE PARACATU. Minuta de contrato da Empresa Navegação do Paracatu com a Câmara Municipal. Paracatu: 1919. 3 fls.
LIMA, Carlos E. G. O potencial hidroviário na Paracatu do século XX. Disponível em: < https://paracatumemoria.wordpress.com/2018/12/14/o-potencial-hidroviario-na-paracatu-do-seculo-xx/ >. Acesso em: 26 Ago. 2022.
Navegar é preciso, viver também é preciso. Disponível em: < https://2017.cbhsaofrancisco.org.br/2017/navegar-e-preciso-viver-tambem-e-preciso/ >. Acesso em: Ago. 2022