
Por: Carlos Lima (*Arquivista)
Oferecera o Promotor Público, o Dr. Caetano Rodrigues Horta, denúncia perante a Justiça contra Thomas Francisco da Silva, Pascoal Felix Ruelas, os escravos Victor de tal e Francisco Pardo por serem indicados como autores do furto e violação de urna eleitoral com cédulas de votação para Juiz de Paz, vigiada por quatro escravos menores de idade nas dependências da Igreja Matriz de Santo Antônio no Termo de Paracatu, durante a madrugada de 25 de setembro de 1860.
O Dr. Horta ainda cita o cônego José de Moura Barbosa como cúmplice na prática daquele fato criminoso, e para tal fundamenta à folha 2 do processo crime que o acusado fora “chamado as onze horas, da noite do dia 24 do sobredito mez, da casa de Umbelina de Araujo Ferreira onde se achava assistindo com sua mulher huma orchestra, que davão os músicos da Bagagem [hoje Estrela do Sul] a dita Umbelina, e nesse acto, Eufemia de tal, mulher do primeiro indigitado (Thomas Francisco da Silva) avisara a este, que seu compadre, o mandara chamar dizendo, que erão horas, sendo que pouco depois aparessêra o dito Thomaz na Igreja Matriz, aonde estava a urna.
Afirma o auto de corpo de delito às folhas 6 e 6 verso que “huma caixa em que se achava feixada a urna que continha as sedulas da Eleição de Juízes de Paz do Distrito desta cidade que ainda não tinha cido apuradas; cuja caixa desaparessera do corpo da Matriz desta Cidade, e do lugar em que hera de costume ser colocada, as quaes as quatro horas da madrugada do dia de hoje [25/09/1860], e aparessera em um vallo nas margens do córrego rico a huma hora da tarde do mesmo dia”.
No depoimento à folha 11 verso, da testemunha Justino Caetano Barboza Cortes, este pedreiro, que estando em sua casa as três horas da madrugada “ouvira tocar o cino da Matriz desta Freguezia como que dando signal de chamada isto por espaço de huma hora pouco mais ou menos e acudindo a esse toque chegara a referida Matriz” onde já se encontravam outras pessoas. À folha 12 ele ainda afirma que “chegou a Matriz só existia luz na Torre do Cino; e depois da constatação que tivera ella testemunha com José Antônio Dantas e Nelson Daria estes a chamarão para acompanhá-los na procura da urna, e de facto forão athé o Arraial da Angola e nada encontrando por esse caminho voltarão a igreja”.
Outro depoente, o Sr Joaquim Rodrigues Barboza, fabricante de esteiras, declarara à folha 15 dos autos que “quando tocara o Cino da Matriz ella testemunha se achava conversando com Martinho escravo do capitam Justiniano de Mello Franco, em a rua dos Olhos de Água, e não se importou com o tocar daquele, pelo que dirigiu-se para sua caza no lugar do Taveira onde então morava”.
Um escravo de nome Florencio, de aproximadamente onze anos de idade, de propriedade de Dona Josefa Emília de Resende, arrolado como testemunha informante nos autos relatara à folha 21 verso que “em a noite em que fora tirada a urna da Igreja achava-se ella informante de guarda a mesma com Jerônimo, Valeriano, e Felix, aquelles escravos do Commandante Superior [Francisco de Paula Carneiro], e este de sua senhora a referida Donna Josefa Emília”. E acrescentara que “o Altar que procurara para esconder-se fora o lateral junto ao do Senhor dos Passos”. Chama a atenção o fato de estarem 4 escravos menores de idade fazendo a segurança de uma urna eleitoral em plena noite na imponente Igreja Matriz de Santo Antônio naquele ano de 1860.
Ao trazer à tona um delito contra a eleição para Juiz de Paz no século XIX – cargo este que no passado podia desempenhar as funções administrativa, judicial, eleitoral e até policial – o processo em questão não apresenta a sentença proferida pelo Juiz da Comarca naquela ocasião, tampouco elementos com os quais se possam compreender as razões que levaram ao cometimento daquele crime.
(*) Carlos Lima é graduado em Arquivologia pela Universidade Federal da Bahia (UFBa), é Pós-Graduado em Oracle, Java e Gerência de Projeto e é conservador e restaurador de documentos. Elaborou este artigo a partir de suas pesquisas nos fundos documentais do Arquivo Público de Paracatu – MG.
Referências COMARCA DE PARACATU. Processo Crime roubo e arrombamento de urna eleitoral. 1860. Cx. 1887-A. 30 fls.