Foto meramente ilustrativa: Imagem dos tropeiros na praia do Arraial de São Sebastião sugere como possivelmente deslocavam-se os caminheiros entre Paracatu e seus distritos no século XIX

Por: Carlos Lima (*Arquivista)

Na segunda metade do século XIX, reunia o município de Paracatu uma dezena de distritos com os quais era imprescindível vencer as distâncias e os acidentes geográficos para que toda a burocracia típica do serviço público pudesse ir adiante e garantir o mínimo de assistência aos habitantes das diversas povoações do Noroeste de Minas. Nesse cenário, era fundamental o papel desempenhado pelos chamados caminheiros, que iam e vinham de posse de relevantes documentos entre as partes envolvidas.

Raro acervo classificado sob a nomenclatura de Fundo Câmara Municipal preservado com minucioso labor pelo Arquivo Público de Paracatu, também conhecido como o Guardião da Memória Regional, revela um pouco sobre a história dos caminheiros e suas viagens por este sertão um tanto caracterizado pelo isolamento e cortado apenas pelas rudimentares picadas (caminhos).

As referências identificadas por meio de pesquisa in loco nas fontes disponíveis apontaram recibos de pagamento e registros em livros de receita e despesa frutos das atividades da Câmara Municipal de Paracatu entre os anos 1870 e 1892, que apontam o soldo recebido por esses prestadores de serviço no que tange ao transporte de documentos quase que sempre expedidos pela Justiça.

Lançamento do valor pago ao caminheiro João de Souza Landim em 1874 referente à viagem pelos Distritos de Rio Preto, Burity e Morrinhos

Entre os manuscritos apreciados, verificou-se o pagamento de 28 mil réis em 10 de maio de 1875 concernente a uma viagem empreendida pelo caminheiro Antônio Martins Ferreira aos distritos de Alegres, Santo Antônio, Canabrava e Catinga (hoje todos município de João Pinheiro, especialmente Alegres que se tornou a cidade) para o fim de entregar ofícios do Dr. Juiz Municipal do Termo [de Paracatu] aos Juízes de Paz e subdelegados destas localidades, conforme recibo de nº 06.

Já em 21 de maio de 1875, conforme recibo de nº 09, o caminheiro de nome Joaquim Machado da Motta recebia a quantia de 58 mil réis proveniente de sua incursão pelos distritos de Rio Preto (Unaí), Buriti, Formoso, Morrinhos (hoje distrito de Arinos) e Lages (Bonfinópolis de Minas), para o mesmo fim já mencionado anteriormente.

Também o vizinho Guarda Mor recebera nos tempos em que pertencia à cidade mãe, Paracatu, a visita daqueles desbravadores mensageiros que contribuíam de forma crucial para que a comunicação entre a sede e seus distritos pudesse fluir mesmo diante de percursos que poderiam chegar a um raio de 250 quilômetros, aproximadamente. No recibo de nº 8 emitido em 10/05/1875 no valor de 26 mil réis, comprova-se o pagamento da viagem feita pelo caminheiro Antônio Coêlho Neco aos distritos de Guarda Mor e Santa Rita, este último sem informações precisas sobre sua posição geográfica.

As eleições também usufruíram dos serviços dos caminheiros contratados pela Câmara Municipal, pois de acordo com o recibo de nº 35 emitido em 10 de junho de 1892, o Sr. Fulgêncio Bento da Silva Mitta recebera por seus serviços de entrega de documentos a quantia parcial de 25 mil réis para percorrer os “distritos de Morrinhos e Lages, conduzindo papéis eleitoraes e livros respectivos para as eleições a que vae se proceder no dia 30 do corrente e 2 de julho”.

Pagamento ao caminheiro Manoel Pereira de Souza em sua viagem à localidade de “Cerra” (possivelmente a atual Vazante, já que alí há a chamada Serra da Lapa)

Em virtude dos acidentes geográficos e das longas distâncias existentes entre Paracatu e seus outrora 10 distritos (número este apontado pelo escritor Olímpio Gonzaga em seu livro Memória Histórica publicado em 1910), e da escassez de fontes de pesquisa sobre como davam-se esses deslocamentos pelos sertões do Noroeste de Minas, deduz-se que os caminheiros empregavam o cavalo como meio de transporte para empreender as suas missões.

(*) Carlos Lima é graduado em Arquivologia pela Universidade Federal da Bahia (UFBa), é Pós-Graduado em Oracle, Java e Gerência de Projeto e é pesquisador da história e da cultura de Paracatu.

Referências

Câmara Municipal de Paracatu. Recibo nº 06 de pagamento a Antônio Martins Ferreira. 1875. 1 fl.

Câmara Municipal de Paracatu. Recibo nº 09 de pagamento a Joaquim Machado da Motta. 1875. 1 fl.

Câmara Municipal de Paracatu. Recibo nº 08 de pagamento a Antônio Coêlho Neco. 1875. 1 fl.

Câmara Municipal de Paracatu. Recibo nº 35 de pagamento a Fulgêncio Bento da Silva Mitta. 1892. 1 fl.

GONZAGA, Olímpio M. Memória histórica de Paracatu. Uberaba: Typ. Jardim e Cia, 1910. 135p.

Prefeitura de Vazante. A Cidade. Disponível em: < https://www.vazante.mg.gov.br/a-cidade/ >. Acesso em: 06 Jan. 2023.

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