Foto meramente ilustrativa: Carro alegórico em desfile durante o aniversário de Paracatu, em outubro de 1972, possivelmente.

Por: Carlos Lima (*Arquivista)

No bicentenário espólio do Sr. Luiz José de Carvalho, datado de 1815, destacam-se entre os bens por ele deixados, uma Fazenda denominada Santa Quitéria e 9 escravos, estes últimos igualmente dados a inventário na Vila de Paracatu do Príncipe e que suscitam o interesse da pesquisa histórica, especialmente, por ocuparem destaque enquanto mercadoria humana, amplamente negociável e capaz de revelar a ganância ao redor de uma herança.

Na tabela 1, logo abaixo, são descritos os 9 escravos deixados pelo inventariado, com características pertinentes à origem, idade, profissão, condição de saúde, preço e data da avaliação. Notória é a depreciação de alguns escravos, especialmente à medida em que sua idade avançasse bem como em decorrência da constatação de alguma anomalia, a exemplo do escravo Antonio, com 78 anos de idade e cego de 1 olho, cuja avaliação precificava-o em 12 mil réis naquele ano de 1821.

Com o propósito de saudar dívida de mais de 67 mil réis junto ao credor Tenente Coronel Antônio da Costa Pinto, a viúva do inventariado, Sra. Archangela Maria de Moura, resolvera levar à arrematação em praça pública um de seus escravos de nome Gregório, conforme consta da folha 16 do conservado manuscrito. Fora aquele escravo arrematado pela quantia de 72.150 réis em 14 de dezembro de 1816, como registra-se à folha 19.  

Na folha 81 do inventário,também fora arrematado em praça pública o carreiro Eugênio, o qual fora ilegalmente vendido pelo herdeiro Manoel Rodrigues de Moura, e como tal, “se achava na dita praça o referido escravo, e logo pelo dito Ministro foi determinado ao dito Porteiro que methesse em público pregão de venda, e arrematação o mencionado escravo” pelo qual fora dado o lance de 150 réis sobre a avaliação (R$ 160 mil réis) pelo Sr. Mário Joaquim de Moura, como se registra à folha 81 verso, quantia levantada com o fim de ser dividida entre os herdeiros e suprir as necessidades dos menores órfãos (folha 79).

Folha 79: Pareceres do Curador e do Juiz de Órfãos sobre a hasta pública e arrematação do escravo Eugênio

Comunicara o herdeiro de nome Antônio Caetano à autoridade judiciária que uma escrava chamada Maria de nação Angola não houvera sido dado a inventário e que “nem consta que tenha pago o seu quartamento” (folha 41), ou seja, sua alforria ao seu falecido senhor. A respeito disso, declara a sua senhora, Archangela Maria de Moura, à folha 43 que a “escrava pelo zelo, amor, e caridade com que servio a vontade [do] meu marido em huma prolongada enfermidade de chaga com razão que faleceo estando elle nos dias próximos a sua morte me determinou com essa recomendação que beneficiasse a dita escrava dando-lhe liberdade”, sem, contudo, poder isentá-la de constar entre os bens do referido arrolamento.

Avaliação da escrava Maria de nação Angola na quantia de 90 mil réis em 3 de dezembro 1816

Em virtude de sua descrição entre os bens do respectivo inventário, a escrava Maria fora avaliada conforme documento à folha 44, em que os senhores Antônio Rodrigues e José Bento da Silva afirmam: “avaliamos a Negra Maria de Nação Angola de idade de corenta e dois anos pouco mais ou menos Escrava da dita Archangela Maria de Moura em o preço de Noventa mil réis” em 3 de Dezembro de 1816.

Julgado por sentença em 1833 pelo então Juiz de Órfãos Capitão Domingos José Pimentel Barbosa, o inventário em questão retrata a figura do escravo enquanto um bem e mais precisamente uma mercadoria, disputada a rigor para satisfazer à cobiça de seus senhores, de forma a revelar traços marcantes da escravidão em Paracatu e no Brasil em tempos pretéritos. 

(*) Carlos Lima é graduado em Arquivologia pela Universidade Federal da Bahia (UFBa), é Pós-Graduado em Oracle, Java e Gerência de Projeto e é conservador e restaurador de documentos. Elaborou este artigo a partir de suas pesquisas nos fundos documentais do Arquivo Público de Paracatu – MG.

Referências

COMARCA DE PARACATU. Processo de inventário de Luiz José de Carvalho. Cx. 1815-1816. 185. 98 fls.

LIMA, Carlos E. Gomes. Tabela 1: Escravos do espólio de Luis José de Carvalho. Disponível em: < https://paracatumemoria.files.wordpress.com/2022/07/tabela_1_

escravos_do_espolio_de_luiz_jose_de_carvalho_tabela_elaborada_

por_carlos_lima_em_04_07_2022.jpg >. Acesso em: 04 jul 2022.