Foto ilustrativa: Mulher garimpando ouro em 1938 no Córrego Rico em Paracatu

Por: Carlos Lima (*Arquivista)

Do século XVIII para os dias atuais, profundas foram as transformações ocorridas na sociedade e nas suas relações cotidianas, a exemplo das transações financeiras que hoje podem ser realizadas em múltiplos meios e suportes, o oposto do que se verifica se comparadas às formas de pagamento tangíveis e rudimentares daquele tempo.

Infere-se, a partir da análise das fontes primárias eclesiásticas disponíveis, que não raro o ouro era moeda de pagamento para diversas despesas contraídas pelos cidadãos. No dossiê do testamento do Sr. João Alves Guerreiro, morador do Arraial da Lagoa de Santo Antônio, figuram alguns recibos que ilustram muito bem o emprego do nobre metal para saudar dívidas e outros compromissos.

Folha 11: João Alves Guerreiro era morador do Arraial da Lagoa de Santo Antônio

À folha 18 do maço da documentação em análise, com data de 27 de fevereiro de 1786, o Presbítero Secular e Pároco interino da freguesia de Paracatu, Sr. Balthazar Simoens da Cunha, certifica “que o falecido João Alves Guerreiro foi amortalhado em habito de Nossa Senhora do Carmo e acompanhado [do] Reverendo Párocho e oito sacerdotes, que todos lhe fizeram Missa de Corpo presente, e juntamente assistiram a ofício que se lhe fez de Corpo presente por determinação do testamento e acompanhado seu corpo da Irmandade de Santíssimo Sacramento, e da Senhora Santa Anna, da Senhora do Amparo e das Almas, e encomendo[u], sepultado na Igreja Matriz deste Arrayal importava o seu funeral em setenta e sinco oitavas, e meia que tudo esteja satisfeito e pago”.  

Também um recibo localizado à folha 21 com data de 1º de maio de 1786 dá conta de que a viúva mandara pagar ao Sr. Manoel de Moura Brochado a quantia de “três oitavas de ouro pertencentes à fábrica que tanto tocou, do enterro de seu marido João Alves Guerreiro”, informação que leva a crer que o falecido certamente possuía algum negócio do ramo produtivo ou de beneficiamento, ou algo similar, no velho Arraial da Lagoa em Paracatu.

Outra prova fiel de que o ouro circulava com frequência no então Arraial de São Luis e Sant’Anna das Minas do Paracatu é o recibo constante à folha 26 do maço da documentação em análise, com data ilegível mas certamente por volta de 1786, como se verifica do excerto: “Recebi do Senhor Porta estandarte Antônio José Pereira seis oitavas de ouro por ordem [de] Maria Ferreira de Jesus que a dita mandou dar a Irmandade de N. Sra. Do Amparo de acompanhar o enterro do falecido seu marido João Alves Guerreiro”.

Os manuscritos setecentistas que compõem o testamento do finado Sr. Guerreiro e que enobrecem o papel do Arquivo Público Municipal, enquanto órgão de custódia, preservação e acesso a tão raros documentos, lançam luz sobre o passado de Paracatu, seu cotidiano, sua economia, suas instituições religiosas, seus velhos distritos e principalmente sobre sua gente.

(*) Carlos Lima é graduado em Arquivologia pela Universidade Federal da Bahia (UFBa), é Pós-Graduado em Oracle, Java e Gerência de Projeto e é conservador e restaurador de documentos. Elaborou este artigo a partir de suas pesquisas nos fundos documentais do Arquivo Público de Paracatu – MG.

REFERÊNCIAS

TRIBUNAL ECLESIÁSTICO. Testamento do Sr. João Alves Guerreiro. Cx. 25. 1786. 29 fls.

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