Cartão personalizado remetido pela amiga Vivinha, em virtude do aniversário da Senhorita Júlia Camargos em Junho 1921

Por: Carlos Lima (*Arquivista)

É indescritível a emoção de quem se depara com documentos tão diversos, ainda que em pequeno número, mas com uma riqueza notável que levam o pesquisador a conhecer um pouco da natureza de quem os produziu e os reuniu durante parte de sua vida, como seria e de fato o é, o caso do acervo deixado pela professora e beata Júlia Camargos.

Curiosidade: Nota de tratamento dentário da Professora Júlia Camargos em 1923

Entre as preciosidades documentais disponíveis reunidas pela senhorita Camargos, está uma carta datada de 1914, recebida da também professora Olindina [Loureiro?], que na ocasião lhe escreve diretamente do Rio de Janeiro: “Nunca pensei em deixar definitivamente, como disseste, o meu saudoso Paracatu. Era minha intenção estar lá no começo das aulas, mas não me sendo possível isto, porque Antoninho que prometeu vir para levar-me não apareceu até hoje, resolvi pedir licença por 4 meses. Irei talvez com Afranio, ou antes dele se vier alguém me buscar”.

Grande parte dos registros de seu acervo pessoal denota uma Júlia Camargos determinada a seguir sua vocação religiosa, como se constata nas correspondências recebidas de seu padrinho Sr. Cyrillo, Bispo em Cuiabá. Em uma delas, com data de 5 de abril de 1911, o religioso comunica a sua afilhada que “Escrevi a Mosenhor Pinheiro, no Azilo da Piedade, pedindo-lhe a tua admissão na Congregação das Irmãs Auxiliares da Piedade”, o que reflete o interesse dela pela carreira espiritual.

Correspondência do Collegio Jesus Maria José de Patrocínio do Sapucahy para Júlia Camargos.

Ainda na incansável busca pela realização do seu sonho em trilhar caminhos estritamente santos, Júlia recebe uma graciosa carta escrita em 29 de dezembro de 1917 proveniente do Collegio Jesus Maria José de Patrocínio do Sapucahy (hoje Patrocínio Paulista, em São Paulo), em que sua autora, a Irmã Anna Martins, participa-lhe que “Ainda que confio em Jesus Maria José que havemos de gostar da Senhora e a Sra. de nós e costumes da Congregação”, numa agradável concordância acerca do pedido feito pela paracatuense, embora, na prática, não se tenha referências sobre sua mudança para aquelas cercanias.

Diploma de zeladora concedido pela Liga do Coração de Jesus à Professora Júlia Camargos em 1920

Solteira e sem herdeiros descendentes, a professora Júlia ratificaria seu amor pela religião ao gravar em seu testamento, assinado aos 7 de agosto de 1962 em sua residência à Rua Goiás, que destinaria “10% do valor de seus bens para as vocações sacerdotais […] 5% de seus bens para o Colégio das Irmãs Carmelitas […] 5% dos valores de seus bens para as obras da matriz (Igreja Matriz) […] 5% do valor dos seus bens para os pobres de São Vicente de Paulo desta cidade de Paracatu”, de forma a não se esquivar da parte que deixaria, dentre outros, para seus familiares.

Também ela revelara desmedido empenho quanto à formação de seus alunos, o que viria a render-lhe o reconhecimento como “professora modelo, cumpridora dos seus deveres […]” destacou o Professor e inspetor regional Antônio Loureiro durante homenagem prestada pelo corpo docente e discente do Grupo Escolar (onde hoje situa-se a Casa de Cultura) em favor da desde então aposentada “Pró” Júlia, conforme publicação em A Voz do Sertão de 16 junho de 1918.

Naquela mesma publicação, a editoria do jornal definia a religiosa professora como “Senhora de finas qualidades de coração e de elevados dotes de espírito apesar de sua excessiva modéstia, o sua vida, tão cheia de actos dignos, é um exemplo vivo do quanto pode a bondade.”

Foto da Professora Júlia Camargos, gentilmente cedida pelo Professor Eustáquio, diretor da escola que leva seu nome

Filha do Major José Alves de Sousa Camargos e de Dona Regina de Paula e Sousa, Júlia Camargos falecera em Paracatu com 89 anos de idade, aos 13 de outubro de 1963. Seu nome perpetuar-se-ia ao ser emprestado a uma tradicional escola estadual localizada no coração do maior bairro da cidade, o Paracatuzinho.

(*) Carlos Lima é graduado em Arquivologia pela Universidade Federal da Bahia (UFBa), é Pós-Graduado em Oracle, Java e Gerência de Projeto e é pesquisador da história e da cultura de Paracatu.

REFERÊNCIAS

Carta de Olindina para Júlia Camargos. 25 fev. 1914. 1 fl.

Carta do Bispo Cyrillo para Júlia Camargos.5 abr. 1911. 1 fl.

Correspondência do Collegio Jesus Maria José de Patrocínio do Sapucahy para Júlia Camargos. 29 dez. 1917. 1 fl.

COMARCA DE PARACATU. Cumprimento do testamento de Júlia Eliza Camargos. 5 mar. 1962. 30 fls.

COMARCA DE PARACATU. Inventário de Júlia Eliza Camargos. 4 abril 1972. [50?] fls.

A VOZ DO SERTÃO. 16 Jun. 1918. P.1

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